Silvia Lilian Ferro e Paulo Renato da Silva – OPINIÃO
As cidades possuem muitos traços dos processos históricos que as marcaram e ainda repercutem nos dias atuais. Esses traços indicam o que e quem é valorizado quando se colocam nomes nas ruas, nos espaços recreativos, em edifícios, escolas, teatros e qualquer outro espaço público ou privado.
Além dos nomes, um elemento expressivo são os monumentos erguidos ao longo do tempo. A quem representam? Como representam? Quem os criou? Para que foram construídos? O que representam esteticamente? Quem decide, na cidade, o que ou quem merece ser homenageado com um monumento?
Os nomes e monumentos que nos cercam no espaço urbano permitem observar hierarquias políticas, religiosas, de gênero, étnicas e raciais. Por que alguns nomes, grupos e processos históricos são mais lembrados do que outros? Contudo, nas últimas décadas, algo muito interessante tem ocorrido: o espaço urbano virou palco de disputas pela memória e reconhecimento de grupos tradicionalmente esquecidos pela História.
O reconhecimento histórico é parte indissociável da luta por direitos e do combate a preconceitos e outras formas de violência. Assim, têm surgido lugares de memória em homenagem a lideranças e grupos pertencentes às populações negras e indígenas, às vítimas das ditaduras e a processos históricos ainda pouco conhecidos.
Por isso, todo projeto de mudança, seja em bens tombados ou não, deve envolver a sociedade. Em Foz do Iguaçu, o conselho municipal de patrimônio conta com representantes de órgãos públicos, universidades e instituições culturais, os quais têm desenvolvido um importante trabalho, especialmente nos últimos anos.
Cuidar do patrimônio não é uma tarefa simples. Muitos monumentos enfrentam falta de manutenção e vandalismo, o que deve ser evitado. Contudo, essa ação destrutiva também é uma mensagem na qual precisamos prestar atenção. Diante da falta de manutenção, cabe à sociedade cobrar os poderes públicos para que o direito à memória seja preservado para diferentes grupos sociais.
Quanto ao vandalismo, é preciso diferenciar o dano puro e simples das mensagens de protesto que, muitas vezes, se manifestam no espaço urbano. É necessário saber escutar essas mensagens para compreendermos que outras memórias existem em uma comunidade. A cidade é o resultado dinâmico, diverso e complexo das formas como indivíduos e grupos se relacionam com o espaço e entre si ao longo do tempo.
Recentemente, em Foz do Iguaçu, o monumento à democracia foi retirado da Praça Naipi. Ante o pedido de explicações, a Prefeitura indicou que o objetivo é restaurar o monumento. Contudo, na mesma praça, o mural sobre o mito indígena de surgimento das Cataratas foi removido. A Secretaria de Meio Ambiente prometeu a “modernização” do espaço. Porém, nenhuma modernização precisa ser feita à custa do patrimônio. Para isso, existem as técnicas de restauração. Esperamos da Prefeitura uma explicação sobre o que levou à decisão de eliminar o mural e se haverá algo na Praça reformada que o rememore.
Além disso, o mural das Cataratas, existente no prédio da Fundação Cultural, está todo pintado de branco. Também seria importante que a Prefeitura explicasse a motivação por trás da nova pintura.
Os exemplos recentes demonstram que nossa cidade tem mais espaços de memória do que geralmente pensamos. A repercussão desses episódios demonstra, ainda, que diferentes setores da sociedade iguaçuense se interessam por esses lugares. É uma ótima oportunidade para consolidarmos o tema na agenda dos poderes públicos e das entidades locais.
Silvia Lilian Ferro e Paulo Renato da Silva, professores da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA).